16 de junho de 2021

De colorida a cinzenta: Uma Praça “feia”

 (Editorial do Boletim nº 43 de "O Pharol")

 

Na década de 40 do séc. XX, em pleno regime salazarista, foi decidido pelo então Ministério do Fomento e das Obras Públicas, prolongar a já existente EN 10 da Cova da Piedade até Cacilhas.

A EN 10 já constava no Plano Rodoviário Nacional de 1945, e prolongava-se desde a Cova da Piedade até Vila Franca de Xira atravessando a ponte Marechal Carmona, vindo a prolongar-se a partir de 1961 até Sacavém.

Para o início das obras do troço da EN 10 de Cacilhas à Cova da Piedade, houve que fazer recuar a vertente poente do morro de Cacilhas, ao mesmo tempo que o sítio da Lapa, pura e simplesmente desaparecia por demolição dos prédios (poucos) que ali existiam.

Para lá do morro e já na zona da então Margueira Nova proliferavam diversos estaleiros artesanais de construção naval em madeira, que vieram a ser expropriados para que as obras do novo troço da EN 10 pudessem avançar pela margem ribeirinha da Margueira Nova e mais além, pela Mutela, até à Cova da Piedade.

No projecto desta empreitada, também se incluía a construção de uma nova via, com início a partir da Margueira Nova em direcção a Almada, que permitisse um novo e amplo acesso à então Vila de Almada, que só era possível a partir de Cacilhas, pela Calçada da Pedreira  e pela Rua da Oliveira, hoje denominadas por Elias Garcia e Comandante António Feio, respectivamente.

Esta nova via, que recebeu o topónimo de Avenida Frederico Ulrich, foi inaugurada no início da década de 1950 e terminava num amplo espaço que recebeu o nome de Largo Gil Vicente, hoje Praça Gil Vicente.

 

Largo Gil Vicente ainda em obras de remate finais;   Largo Gil Vicente ainda em obras de remate finais;
Largo Gil Vicente ainda em obras de remate finais


Largo Gil Vicente  em meados da década de 1960


Este novo local ao longo do final da década de 1950 e início da década seguinte, foi sendo melhorado e alindado com canteiros arrelvados e floridos.

Foi no mandato do então Presidente da Câmara de Almada, Dr. José Valeriano da Glória Pacheco, (1962 / 1969), que foi decidido criar na zona central da Praça Gil Vicente, uma área arrelvada e com canteiros floridos com configuração oval e, no seu centro, um lago circular tendo ao meio, um fontanário apetrechado com jogos de água e de luz.

Inaugurado em 1967, este novo conjunto ornamental de contemplação e lazer, tornou-se a “sala de visitas” para quem afluía à então Vila de Almada.

A fonte ornamental rapidamente o povo almadense a alcunhou de “Repuxo” ou “Fonte Luminosa”.

 

Praça Gil Vicente com a fonte luminosa - anos 70

 

Este espaço manteve-se quase intocável ao longo de 40 anos.

Porém, o inexorável avanço do tempo, o aumento populacional do Concelho de Almada, a mutação das prácticas políticas, o desenvolvimento cultural da sociedade, as novas gentes e as novas ideias e a evolução e modernidade dos meios de transporte, conduziram a que, em nome do progresso, logo no início do ano 2000, viesse a surgir a ideia de Almada vir a possuir um novo meio de transporte genericamente designado por metro ligeiro de superfície.

Após o projecto aprovado, as obras tiveram início em 17 Março de 2007 e paulatinamente, no que concerne à Praça Gil Vicente, todo a rotunda central ajardinada desapareceu em pouco tempo, e o lago e o seu fontanário demolidos para sempre, ao mesmo tempo que todo o eixo viário central de Almada ficou “rasgado” ao meio para a instalação das linhas férreas e apeadeiros.

Da antiga Praça, nada ficou. Da “Fonte Luminosa” que durante cerca de 40 anos, foi um ícone da Cidade de Almada, resta a memória dum tempo que envolveu algumas gerações e que fazia parte do património da cidade e da nossa identidade local.

Concluídas as obras, o Metro de superfície iniciou a sua actividade no troço entre Cacilhas e Cova da Piedade, em 26 de Novembro de 2008.

 

 A actual Praça Gil Vicente (2021)

 

E como ficou a Praça Gil Vicente?

Sem espaços arrelvados, sem canteiros floridos, com 12 passadeiras para peões, com filas enormes de carros que a ela afloram principalmente ao final do dia, com um apeadeiro central formado em ambos os lados por murais inestéticos forrados a pedra cinzenta lisa, amorfos e tristes, com sinais de desagregação e já com perda de lajes, sendo visíveis zonas de incrustações de sais de carbonatos e enfeitados de “graffittis”, sem qualquer intervenção de manutenção, limpeza e reparação...

 


Praça Gil Vicente – 2021 – apeadeiro do metro de superfície - Em ambos os lados, painéis revestidos a lajes cinzentas, em nítido início de degradação e grafitados.

 

Quanto aos ejectores de água, parecem perdidos no meio das cinzentas superfícies inclinadas e que funcionam sem graça e só de vez em quando...

A agradável Praça de Gil Vicente de outros tempos, tornou-se numa praça “Feia”...

Daí, a justificação do título deste editorial...

Até quando a sua remodelação e o seu alindamento?

 

Um cumprimento ao leitor...

Luís Bayó Veiga

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